Desde a sua entrada no bloco de controle da Usiminas, o grupo Ítalo-argentino enfrentou contendas, sendo a principal delas, com os japoneses da Nippon Steel. Ao anunciar, nesta semana, a aquisição do restante das ações do grupo nipônico, coube-lhe, agora, somente o embate com a CSN no supremo.
Desde que adquiriu as ações da Camargo Corrêa e Votorantim nos idos de 2011, a trajetória dos ítalos-argentinos do grupo Ternium-Techint foi permeada por muitos desafios. Disputas acionárias com os japoneses da Nippon Steel, uma crise financeira que quase levou a Usiminas a pedir recuperação judicial, saídas de executivos, paralisação de altos fornos por causa da pandemia de covid-19, reformas grandiosas de equipamentos como o alto forno 1 que durou quase 01 ano, invasão do aço chinês no mercado brasileiro, disputa nos tribunais com a CSN por uma multa bilionária que o STJ impôs enfim, um verdadeiro roteiro de filmes de Indiana Jones.
Nessa semana, finalmente, um desfecho (já esperado pelo mercado) com o exercício do previsto em cláusula de acordo firmado com os japoneses dois anos e meio atrás quando adquiriu 68,7 milhões de ações ordinárias da Usiminas detidas pela Nippon Steel ao preço de 10 por ação ordinária (na ocasião, o papel ON encerrou na véspera a 7,39 reais, enquanto a preferencial fechou a 6,83 reais, passando a ter a participação total da Ternium no grupo de controle da Usiminas para 61,3%, enquanto o grupo Nippon ficou com 31,7% e ao Caixa dos Empregados da Usiminas, a “Caixinha” 7,1% em um novo acordo de acionistas). A Ternium anunciou que sua subsidiária Ternium Investments firmou contrato de compra de ações para adquirir da Nippon Steel Corporation (e da Mitsubishi Corporation) suas participações remanescentes no grupo de controle da Usiminas, pelo preço por ação ordinária previamente acordado pelas partes para as operações de opções contempladas no novo acordo de acionistas da Usiminas, assinado em julho de 2023.
Nesta operação, a Ternium pagará US$ 2,06 por ação ordinária, o que resultará em um preço de aquisição total de aproximadamente US$ 315,2 milhões em dinheiro por 153,1 milhões de ações ordinárias, aumentando sua participação no grupo de controle da Usiminas de 51,5% para 83,1%. A operação está sujeita à aprovação das autoridades antitruste do Brasil e será financiada com recursos próprios. O grupo de controle da Usiminas detém a maioria dos direitos de voto da companhia.
Após o fechamento da operação, o Grupo T/T passará a deter uma participação de aproximadamente 92,95% das ações vinculadas ao acordo de acionistas, enquanto a Previdência Usiminas manterá a fatia de 7,05% nas ações vinculadas.
Fim de uma história
A parceria com os japoneses da Nippon Steel durou 68 anos e ajudou a criar, no Brasil, uma indústria siderúrgica forte. Mas chegou ao fim nesta quarta-feira, 5, quando os japoneses informaram que estão deixando, de vez, a sociedade na Usiminas, siderúrgica que ajudaram a fundar, junto com o governo brasileiro, em 1958.
Além de capital, os investidores japoneses trouxeram para a nascente produtora de aço a mais moderna tecnologia siderúrgica da Nippon Steel. O empreendimento, que foi o primeiro investimento externo em grande escala do Japão após a Segunda Guerra Mundial, foi viabilizado pelo acordo conhecido como Lanari-Horikoshi, sobrenomes de Amaro Lanari Júnior e Teizo Horikoshi, que lideraram missões japonesas ao Brasil.
Lanari foi o presidente da Usiminas entre 1958 e 1976 — fase de consolidação da siderúrgica —, e Horikoshi presidiu a Nippon Usiminas, empresa criada para facilitar e intermediar os investimentos do Japão na siderúrgica mineira. O capital japonês ficou com 40% da nova fabricante de aço, que iniciou produção alguns anos depois em Ipatinga, na região do Vale do Aço, em Minas Gerais. Ipatinga, na época, era um vilarejo com cerca de 200 casebres, distrito de Coronel Fabriciano.
Futuro
O grupo Ítalo-argentino consolida seu protagonismo na indústria siderúrgica brasileira. Desafios vão da descarbonização à necessidade de investimentos. Para descarbonizar terá que enfrentar o custo elevado do gás natural no Brasil, a necessidade de alinhar a produção de aço de menor intensidade de carbono com a demanda do mercado que ainda pressiona por preços baixos, e a viabilidade econômica de novas tecnologias como o uso de hidrogênio verde, que requer investimentos e substituição de ativos existentes. Outras barreiras incluem a necessidade de desenvolver e implementar tecnologias inovadoras em larga escala e o alinhamento entre os requisitos de descarbonização, as leis e estímulos governamentais.
STF, o último desafio?
O Supremo Tribunal Federal, STF, ainda não julgou a ação, mas a disputa entre CSN e Ternium sobre a Usiminas está em curso, principalmente por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI, movida pela Associação de Comércio Exterior do Brasil, AEB. Inicialmente, o STJ havia decidido que a compra não exigia a Oferta Pública de Ações, OPA, mas reconsiderou e decidiu que a Ternium deveria indenizar a CSN em cerca de 5 bilhões. Em recurso apresentado no fim de 2024, o valor da multa caiu para R$ 3,1 bilhões, ratificando que houve uma alteração no bloco de controle da Usiminas.
A disputa ainda está em andamento no STF, e não há data para o julgamento do caso. A Procuradoria-Geral da República, PGR, se manifestou contra a decisão do STJ, argumentando que ela causa insegurança jurídica e prejudica o mercado de capitais. O STF está analisando as manifestações dos órgãos e da própria Corte sobre o caso, sendo provável que seja levado o caso ao plenário, considerando a relevância e o impacto no mercado de capitais.
Esse poderá ser o último desafio dessa primeira fase da história do grupo Ternium-Tecchint na sua entrada recente na siderurgia brasileira, a partir das aquisições das ações da Usiminas, em 2011. No meio do caminho, em 2017, outro passo foi dado nesse sentido com a aquisição do controle total da antiga Companhia Siderúrgica do Atlântico, a CSA, na zona norte do Rio de Janeiro, um centro industrial responsável por produzir placas para exportação, em especial para o México (onde possui dois centros industriais siderúrgicos de laminação) e Estados Unidos.
Confiança no Brasil
Quem acompanha os fatos recentes que envolvem a concorrência predatória com o aço importado, os desafios tecnológicos para ganhar maior competitividade de custos e preços, enfim todas as disputas acionárias que o grupo esteve envolvido, pode se surpreender com o último passo dado em direção a assumir quase 100% do controle total da Usiminas.
Mas, se analisarmos 14 anos atrás, sinais de confiança no Brasil, em especial o mercado de aço doméstico, foram dados quando, em novembro de 2011, a Ternium pagou R$ 36,00 por ação ordinária (com direito a voto) da Usiminas para adquirir as participações que pertenciam à Camargo Corrêa e à Votorantim.
O valor total da transação para a compra de 27,7% do capital votante da Usiminas foi de aproximadamente 4,1 bilhões, dependendo da inclusão de outras participações. A Ternium pagou este valor que representou um prêmio significativo na época: Um ágio de mais de 80% sobre o preço de fechamento das ações ordinárias da Usiminas na sexta-feira anterior ao anúncio (25 de novembro de 2011), que foi de R$ 19,70.
A Ternium já investiu R$ 11 bilhões no Brasil. É a principal produtora de aços planos do país, demonstrando um compromisso histórico com o mercado brasileiro. O grupo possui uma presença consolidada e investimentos de grande porte no Brasil, mesmo em momentos em que o ambiente de negócios esteve impactado por questões judiciais. As decisões pró investimento foram tomadas em detrimento aos sinais tanto da economia, do mercado quanto da segurança jurídica.
Muito desse comportamento pode ser atribuído ao seu controlador, o engenheiro Paolo Rocca, membro da família fundadora do grupo e presente desde quando, décadas atrás, a Usiminas fazia parte do bloco de controle da Ternium (o que hoje é o contrário). Rocca é um entusiasta da siderurgia brasileira e experimentará um fim de semana com muito mais samba que tango ou tarantela. Depois, a luta continuará!



