Quando você informa seu CPF nas farmácias, está alimentando anúncios e vendas que geram lucros bilionários.
No Brasil, as farmácias adotaram um modelo de negócios altamente lucrativo, que se baseia no uso dos dados pessoais dos consumidores para impulsionar a publicidade segmentada. Tudo começa com a famosa pergunta feita no caixa: “Qual é o seu CPF?”. Conforme destacou a jornalista Amanda Rossi em uma reportagem para o UOL, essas informações são coletadas e usadas por empresas como a RD Ads, do grupo RaiaDrogasil, para vender anúncios segmentados.
Ao fornecer seu CPF em troca de descontos que podem superar os 70%, o cliente contribui para um extenso banco de dados que inclui detalhes sobre sua saúde, como doenças, medicamentos e métodos contraceptivos utilizados. A RaiaDrogasil, a maior rede farmacêutica do país, armazena informações de 48 milhões de clientes, que são posteriormente usadas para direcionar anúncios, seja no site da própria farmácia ou em plataformas como Facebook e YouTube.
O diretor da RD Ads, Vitor Bertoncini, comentou em um podcast voltado para investidores que solicitar o CPF nas farmácias brasileiras é algo tão comum que 97% dos clientes fornecem essa informação sem questionar. Ele comparou essa prática ao uso do social security number nos Estados Unidos, onde a coleta desses dados para fins comerciais seria considerada ilegal.
Embora os descontos oferecidos pareçam atrativos, os preços sem CPF podem ser enganosos. Um exemplo citado na reportagem mostra que um medicamento como a nimesulida, que custa R$ 31,78 sem o CPF, cai para R$ 8,50 com o documento. Porém, hospitais privados e órgãos públicos adquirem o mesmo remédio por preços ainda menores, o que sugere que os valores sem CPF são inflacionados para encorajar os consumidores a fornecer seus dados.
Os dados armazenados não se restringem aos medicamentos. O banco de dados da RD Ads conta com até 20 filtros diferentes para segmentar os clientes, categorizando-os em perfis como “sênior debilitado” ou “sênior ativo”. Essas informações são usadas em campanhas de marketing direcionadas. Um exemplo mencionado na reportagem mostra que o uso de dados de pais de crianças pequenas aumentou as vendas de produtos para bebês em 20%.
O uso de dados de saúde para fins publicitários, no entanto, gera debates. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) classifica informações de saúde como dados sensíveis, exigindo uma proteção maior e limitando seu uso para fins econômicos. Apesar de a RaiaDrogasil alegar que os dados são anonimizados, há dúvidas sobre a efetividade dessa anonimização e se ela realmente está em conformidade com a lei.
Além disso, a reportagem lembra que o uso de biometria nas farmácias gerou polêmica. Em 2021, uma jornalista relatou que foi obrigada a fornecer sua digital para obter um desconto, o que levou a protestos e à intervenção de órgãos como o Procon e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). A exigência da biometria foi eliminada, mas a coleta do CPF persiste.
Até o momento, não há regulamentação clara que proíba o uso de dados de saúde para fins publicitários no Brasil. Com isso, milhões de brasileiros continuam a fornecer suas informações pessoais em troca de descontos, sem estarem cientes de que esses dados podem ser usados para muito mais do que apenas baratear o preço de seus remédios.
Como consultar os dados que as farmácias possuem sobre você?
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) garante aos brasileiros o direito de saber quais informações estão sendo mantidas pelas empresas, inclusive as farmácias. Isso inclui o acesso ao histórico de compras e dados de saúde, além de informações sobre o compartilhamento desses dados com terceiros. Também é possível solicitar a correção de dados ou até a exclusão deles.
Para exercer esse direito, as farmácias devem disponibilizar um canal específico para atender a essas solicitações. A resposta deve ser fornecida em até 15 dias. Caso a empresa não cumpra o prazo ou recuse o pedido, é possível acionar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que é responsável pela fiscalização da LGPD.
Se você deseja solicitar o acesso ou a exclusão dos seus dados, entre em contato com o SAC da farmácia ou acesse o site da empresa. Certifique-se de detalhar que está exercendo seus direitos sob a LGPD, especificando se deseja acesso aos dados ou a remoção deles.