Indignação, vaquinha e desespero para salvar parentes
“É desumano você ouvir alguém te pedir R$6 mil num cilindro e tu não ter da onde tirar para salvar o teu parente”, diz Layla. “Dá nojo de ouvir a pessoa te falar que tá cobrando tudo isso”, reclama. No final da tarde de ontem (15), Layla conseguiu alugar um kit no valor de R$2000 por três dias para o tio. “A gente tá fazendo uma vaquinha porque ninguém está preparado pra dar 2 mil a cada três dias para um parente teu sobreviver. E assim a gente tá seguindo aqui”.
Layla informou à reportagem na tarde deste sábado que o oxigênio do tio acabou durante a última madrugada e que aguarda uma recarga da empresa na qual alugou o equipamento mas “que não tem hora para chegar”, segundo ela.
No Twitter, o youtuber Felipe Neto, que está mobilizando recursos para levar oxigênio para Manaus, afirmou que “alguns dos fornecedores de oxigênio aumentaram vertiginosamente o preço ontem [15 de janeiro] e hoje, porque sabiam que teríamos que comprar pra salvar vidas. Gente podre, nojenta. Em crises a gente vê o melhor e o pior do ser humano”, escreveu.
Isac Neto, 46 anos, dono de uma empresa de gás em Manaus, explica que a demanda aumentou o preço para a recarga do oxigênio. A recarga de 10 m³ que em dezembro custaria R$350 hoje custa R$800. “Eu não tenho mais como atender porque eu não tenho mais produto e as pessoas me ligando. Eu tô falando contigo e o telefone está tocando”, disse.
Segundo Isac, a procura começou no dia 26 de dezembro. “Nesse dia, eu cheguei aqui em Manaus, e em uma semana vendi mais de 2 mil m³ de gás que eu trouxe de São Paulo. Todo o produto acabou dia 7 de janeiro, algo que duraria em tempos normais, uns seis meses”.
Emilly de Araújo Carmo, 28 anos, que perdeu o avô Naivo Ferreira de Araújo, 81 anos, no dia 1 de janeiro, reforça o aumento abusivo de valores. Ela conta que ainda em 15 de dezembro, já diagnosticado com coronavírus, conseguiu alugar para o avô um cilindro de 40 litros por R$600 — valor que, neste momento, pode chegar a R$2000, segundo ela.
“No nosso último contato, meu avô me disse que ia ficar bem e que nos amava, foi quando eu tive a oportunidade de dizer pela última vez para que eu também o amava. Queríamos ter tido a oportunidade de um outro desfecho para essa história”.
“Manaus está em guerra por oxigênio”
O mesmo desespero vive Grace Sá, 34 anos, que está com a mãe, Maria das Graças, 64 anos, em casa com Covid-19. “Nossa situação aqui em Manaus é a guerra por oxigênio. A minha mãe está em casa. Foi uma alternativa que nós encontramos, pois o hospital 28 de Agosto não tem condições. Além de não ter leito é uma tortura psicologica você estar lá”, revela.
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Ela conta que ao internar a mãe há alguns dias, levou um pequeno cilindro de oxigênio. “E a enfermeira falou bem assim: ‘ainda bem que vocês trouxeram porque não tem e quando acabar esse aí não tem mais’”. Foi quando, segundo ela, começou a sua luta e do irmão para conseguir o produto. “O meu irmão gravou um vídeo nas redes sociais que viralizou na cidade… aí conseguimos ajuda até ela terminar o atendimento lá no hospital”.
No momento, ela e o irmão tratam a mãe em casa. “Aí a gente decidiu tirar ela de lá quando nós conseguimos um outro cilindro grande para trazê-la. Foi desesperador. Essa cena vai ser eterna na minha vida”, conta. “Todo dia é angustiante. Ninguém mais dorme aqui pensando em como conseguir oxigênio para o outro dia. Hoje nós temos. E amanhã, nós vamos ter? Essa é a pergunta que fica todos os dias na nossa mente. É orar e ter muita fé. Não quero nem pensar na possibilidade de não ter”.
Na tarde deste sábado, Grace disse que passaram a mãe para “um condensador que produz oxigênio”. Segundo ela, não supre a necessidade, mas é uma alternativa para economizar. “É uma escolha difícil mas sem nenhum oxigênio ela não aguenta”, disse.
O aumento de novos casos da Covid-19 fez com que a demanda por oxigênio chegasse a 76 mil m³ diários no Amazonas. Em meio a falta de oxigênio, a polícia já apreendeu 45 cilindros de um barco em Manaus e 33 cilindros escondidos numa empresa.
https://apublica.org/2021/01/falta-de-oxigenio-em-manaus-e-desumano-pedir-6-mil-reais-num-cilindro/
Fonte: Agência Pública
Reportagem originalmente publicada na Agência Pública