O Campeonato Brasileiro de Futebol de 2019 não teve um desfecho melancólico apenas para o Cruzeiro, que terminou rebaixado à série B pela primeira vez em sua história. A revolta dos torcedores cruzeirenses, reunidos em torcida única no Mineirão na tarde do domingo (8), mostrou que o país mais uma vez falhou em estabelecer um padrão de convivência civilizada no ambiente de seu principal esporte.
Irada diante do segundo gol do Palmeiras, uma parte do público esqueceu-se momentaneamente de suas glórias antigas e recentes. Passou a quebrar cadeiras, jogá-las no campo, estourar rojões e depredar banheiros. A Polícia Militar explodiu bombas de efeito moral e, de acordo com alguns informes jornalísticos, até atirou balas de borracha, enquanto pais tentavam desesperadamente proteger seus filhos. O juiz da partida, então, decidiu encerrar o jogo por volta dos 40 minutos do segundo tempo, mas não evitou que o saldo de pessoas socorridas chegasse a 30 pessoas.
As cenas de descontrole exibidas a partir de Belo Horizonte foram a reprise ampliada do espetáculo lamentável protagonizado no mesmo estádio por cruzeirenses e atleticanos no dia 10 de novembro, quando objetos atirados entre os rivais e um caso gritante de injúria racial contra um segurança lançada por atleticanos deram sequência a ameaças de morte a Thiago Neves, meia atacante do Cruzeiro.
Fosse a violência apenas reflexo da crise vivida na Toca da Raposa e os problemas de cidadania no futebol brasileiro mereceriam uma solução cirúrgica, a cargo das autoridades e dirigentes esportivos de Minas Gerais. Mas, como provam os torcedores flamenguistas e botafoguenses, que trocaram socos e pontapés por ocasião do jogo do dia 7 de novembro no Engenhão, os torcedores do Fluminense, que invadiram o centro de treinamento do clube em setembro, e do Palmeiras, que perseguiram companheiros da mesma paixão futebolística, por motivos fúteis, pelo menos duas vezes, 2019 será lembrado como mais um ano em que todas as torcidas perderam.
Os efetivamente envolvidos nas brigas do Mineirão, do Engenhão e nas demais país afora, estão sujeitos a enquadramento no Art. 41-B do Estatuto do Torcedores (Lei 10.671/2003): “Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos”, cuja pena é reclusão de um a dois anos e multa. Entretanto, por falta de estatísticas, é difícil saber se a lei está sendo cumprida.
Embora forneça um retrato da recorrente violência no futebol brasileiro, os episódios em Minas e no Rio estão longe de igualar a grotesca tragédia de 2 de maio de 2014 em Recife. Naquela ocasião, Paulo Ricardo Gomes da Silva, de 26 anos, morreu atingido por um vaso sanitário lançado próximo à entrada de visitantes do estádio do Arruda por torcedores do Sport Recife. Torcedor do Santa Cruz, ele se juntara à torcida do Paraná, que acabava de disputar uma partida pela Série B do campeonato brasileiro com o Sport.
Julgados em 2015 pelo crime, Everton Filipe Santiago Santana, de 23 anos, Luiz Cabral de Araújo Neto, de 30 anos e Waldir Pessoa Firmo Júnior, de 34 anos, foram condenados pelo júri popular a penas entre 25 e 28 anos de prisão. Após o julgamento, a promotora Dalva Cabral disse considerar que a condenação era exemplar e contribuiria decisivamente para inibir a violência entre torcedores. “Esse julgamento marca um novo tempo”, declarou, segundo a Agência Gazeta Press.
Desde então, as mortes de torcedores, que haviam cedido em seguida ao pico assustador de 2013 tiveram uma leve queda e se mantiveram estáveis, na média de 12 por ano, até 2018. Em 2019, baixaram a três, de acordo com os números provisórios apurados pelo sociólogo Maurício Murad, coordenador do Programa de Pós-graduação da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), de Niterói (RJ). Outros casos ainda estão em investigação.
Fonte: Agência Senado