Projeto do MIT explora a fronteira do sono profundo para ampliar a criatividade
Biógrafos contam que o inventor Thomas Alva Edison pouco dormia, mas tirava vários cochilos ao longo do dia segurando bolas de aço nas mãos, para que despertasse assim que entrasse em sono profundo. Seu rival, Nikola Tesla, adotava estratégia semelhante, assim como o pintor surrealista catalão Salvador Dalí, que descreveu, no livro “Os 50 segredos mágicos para pintar”, técnica para “dormir sem dormir” com a soneca segurando uma chave.
Para todos eles, os sonhos dos primeiros minutos do sono alimentavam a criatividade. Essa foi a inspiração para que um grupo de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) criasse o Dormio, um sistema para controlar os sonhos e aproveitar seu potencial criativo.
— Nós dormimos oito horas por dia. Isso quer dizer que nós passamos um terço das nossas vidas neste cinema onde criamos filmes incríveis, com uma capacidade criativa imensa, mas a nossa consciência nada faz para influenciá-los. São criações das nossas mentes, mas somos apenas espectadores — observa o pesquisador Adam Horowitz, idealizador do projeto. — E se eu disser que, em vez disso, nós podemos controlar e dirigir esses filmes, extrair informações e aproveitar essas oito horas diárias? Essa é a proposta do Dormio.
Seguindo a técnica de Edison, Tesla e Dalí, o sistema desenvolvido no MIT usa sensores nas mãos para medir o relaxamento da musculatura, assim como mudanças nos batimentos cardíacos e na condutividade elétrica da pele. A ideia é determinar o momento exato da passagem da fase 1 para a fase 2 do sono, conhecido como o estágio das alucinações hipnagógicas. Então, um robô Jibo entra em ação, emitindo sons em volume suficiente para evitar que o ciclo do sono continue evoluindo, mas sem despertar completamente a pessoa.
GRAVAR PARA NÃO ESQUECER
Para que o sonho não caia no esquecimento, a inteligência artificial do robô foi programada para iniciar uma conversa, com perguntas sobre o que a pessoa está pensando. E todas as respostas são gravadas. Com o papo encerrado, o sistema permite o retorno do ciclo do sono, até que o estágio hipnagógico seja novamente detectado.
O Dormio está em estágio inicial de desenvolvimento, com testes em apenas seis voluntários, mas os resultados são promissores. Além de impedir que os participantes entrassem em sono profundo, o sistema se mostrou capaz de inserir assuntos nos sonhos. No experimento, o Jibo falou palavras simples, como “garfo” e “coelho”, e as conversas demonstraram que elas foram integradas ao conteúdo dos sonhos.
— Nesse momento de transição entre a vigília e o sono profundo, as pessoas estão com o estado mental alterado. Não estão acordadas nem dormindo completamente. Elas podem se mexer, ouvir e falar — explica Horowitz. — Aparentemente, os sonhos hipnagógicos são mais propensos a incorporar estímulos do que os sonhos REM (“Rapid Eye Movement”, ou movimento rápido dos olhos, fase do ciclo do sono).
O conceito por trás do Dormio lembra o enredo do filme “A origem”, estrelado por Leonardo DiCaprio e Ellen Page em 2010. Na ficção, um grupo liderado pelo personagem de DiCaprio usa uma máquina capaz de invadir o sonho de uma pessoa e elaborar situações específicas, com a finalidade de inserir ou extrair informações, de modo a influenciar, inconscientemente, decisões do indivíduo na vida real. Horowitz descarta tal possibilidade, ao menos por enquanto, mas vê paralelos entre o Dormio e o filme.
— As similaridades estão na ideia de que é possível aprender algo sobre si mesmo, explorar a mente, usar a cabeça como uma espécie de gerador de realidade virtual e controlar os sonhos — comenta o pesquisador, ressaltando que a questão ética é importante nesse tipo de experimento. Ele explica que, durante o estágio hipnagógico, os participantes não estão dormindo profundamente, então estão menos vulneráveis ao que pode ser inserido nos sonhos. Nos testes, aconteceram casos em que os voluntários despertaram quando perceberam que os sonhos eram muito estranhos para serem contados aos pesquisadores: — Encorajar as pessoas a sonhar sobre determinados assuntos pode mudar o que elas pensam sobre eles quando estão acordadas.
TESTE DE CRIATIVIDADE
Para mensurar a criatividade, os participantes passaram pelo teste de usos alternativos, onde foram estimulados a pensar sobre usos incomuns para as palavras inseridas nos sonhos. O exame foi feito antes do uso do Dormio e logo após seu uso. Dos seis voluntários, cinco obtiveram notas mais altas após o sonho e quatro relataram que ideias geradas durante o estágio hipnagógico ajudaram na criatividade.
“As ideias não vinham de mim, estavam apenas passando pela minha cabeça”, relatou um dos participantes. “Eu sentia como se estivesse em lugar nenhum, num tipo de espaço onde todas essas ideias existem, e fazia muito sentido essas ideias existirem nesse espaço em lugar nenhum”.
Laura Castro, psicóloga certificada pela Associação Brasileira do Sono e pesquisadora da Unifesp, considera o projeto “interessante”, mas questiona as evidências científicas do experimento e o impacto sobre a saúde das pessoas.
— Em psicoterapia nós trabalhamos o conteúdo dos sonhos, mas eles têm um caráter imaginário. É preciso transformar, traduzir essas informações, em algo útil para as pessoas — pondera a psicóloga. — E temos que medir até onde essa interrupção no ciclo pode prejudicar a qualidade do sono.
Horowitz está ciente dessa preocupação, por isso recomenda que o Dormio seja utilizado apenas em cochilos durante o dia ou após o despertar. Apesar de não ser um produto comercial, todo o projeto está disponível para download no site do MIT e pode ser reproduzido por curiosos.
— O estágio hipnagógico é rápido, surge cerca de cinco minutos após o início do sono. Por isso, é melhor usar durante um cochilo ou acordar 30 minutos mais cedo e continuar na cama — recomenda o pesquisador. — Usar quando se deita para dormir à noite não faz muito bem. Fiz isso comigo e me divertia tanto que demorava para pegar no sono.
fonte: O Globo